Lírios em homenagem ao aniversário de 85 anos do meu pai. Imagem Dulci Dantas |
Quem segue o blog percebeu que eu andei bem sumida. Desde o ano passado tive grandes períodos de ausência, e os posts falavam mais da vida do que da casa simplesmente. Escrevi aos meus leitores comentando que muitas coisas haviam acontecido, que a vida estava me solicitando um pouco mais e que em algum momento eu escreveria a respeito compartilhando com vocês o que valia a pena ser dividido.
Em Dezembro de 2014 meu pai faleceu após quase dois anos de cama e cadeira de rodas, devido a dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral). Desde que tudo aconteceu, toda a família ficou muito mobilizada em torno dele e se adaptando a nova realidade. Não foi nada fácil, ainda mais porque moro bem distante da minha família, que reside em João Pessoa. E então, em dezembro, poucos dias antes do Natal meu pai se foi de um ataque cardíaco fulminante. Foi uma supresa e, ao mesmo tempo, não foi. Apesar de tudo houve serenidade e paz em nossos corações.
Um aspecto importante desse episódio, e que quero compartilhar com vocês, refere-se a minha experiência da não-perda. Quando eu soube que meu pai havia morrido, meu primeiro discurso foi "Perdi meu pai". Até dei a notícia dessa forma, com estas palavras "Perdi meu pai" para algumas amigas íntimas. Mas rapidamente percebi que essa frase não era adequada, não era correta. Eu não perdi meu pai e nunca o perderei. E eu explico por que.
Tive a benção da Vida de conviver com meu pai amado por quarenta anos. Sempre fomos muito próximos, ele me conhecia e eu a ele. Nos amávamos muito e tivemos uma relação saudável de pai e filha por quatro décadas. Ele cuidou de mim quando criança, brigamos muito quando eu era adolescente. No início da vida adulta ele me incentivou em tudo o que eu fiz, mesmo sem entender direito o que significava eu cursar uma faculdade de Sociologia ou me formar em Moda. Meu pai era uma pessoa humilde mas confiava em mim, e via algo em mim que nem eu mesma enxergava. Ele me deu limites e muitos bons exemplos de vida, de trabalho, de caráter, de perseverança, de valores. Ao ficar adulta era inevitável amá-lo e admirá-lo por tudo que ele havia sido e construído na vida.
Quando ele se foi, muitas pessoas me disseram que Deus, a Vida, o Tempo, etc., me confortariam. Mas, na verdade, quem me confortou foi meu próprio pai. Aquele pai presente por quarenta anos da minha vida. A família era prioridade absoluta para ele. Ele trabalhava por nós, construía tudo para nós e seu tempo era conosco sempre. Foi um pai presente em todos os sentidos. E essa presença permanece em mim, no meu dia-a-dia, nas minhas escolhas, em algumas de minhas frases, na minha forma de ver o mundo e as pessoas. É como se ele estivesse sempre comigo, e essa presença sutil embora profunda me confere paz de espírito.
Me pai me ensinou tudo que eu precisava para viver e ser feliz, não ficou faltando nada. Como posso maldizer sua partida? Saudades sim... dívidas? Nenhuma. E a sua última grande lição foi a seguinte: O melhor que um pai (e uma mãe) podem fazer por um filho ou filha é ser presente. Não falo de presença de quinze minutos, falo de presença com tempo, atenção, dedicação e mesmo no aperto ou com sofrimento e privação. Presença que permite os pais conhecerem seus filhos e os filhos conhecerem seus pais. Em tempos de ausência parental e de terceirização da infância, essa última lição me marcou profundamente e me revelou o quanto a relação com nossos pais nos define emocionalmente.
E graças a quarenta anos de excelente companhia, estou pronta para viver mais quarenta anos de saudades.
Obrigada a todos pela compreensão e carinho, e espero que essa reflexão possa ser inspiradora para alguns de vocês.
Dulci
Nota:
"A ausência que seremos", poema de Pablo Neruda que dá título ao livro de Hector Abad, o qual o autor conta a história de sua relação de amor profundo com seu pai e de como essa relação o definiu. Livro belíssimo.